quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Salvaterra de Magos: Parte III. O Paço Real nos séculos XVII a XIX

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Com a devida vénia a Joaquim Manuel S. Correia e Natália Brito C. Guedes, «O Paço Real de Salvaterra de Magos», Livros Horizonte, 1989, ISBN 972-24-0723-6, publico algumas palavras.

Sob a coroa filipina o Paço de Salvaterra foi reconhecido como um bom aposento régio; a nomeação de um dos melhores arquitectos de então para dirigir as obras, Baltazar Álvares, arquitecto dos Mosteiros de S. Vicente de Fora, de S. Bento da Saúde e de S. Antão de Lisboa, assim o comprova.

Discretamente, seis meses antes de se fazer aclamar rei de Portugal, nas Cortes de Tomar, Filipe I no fim do ano de 1580 pediu ao duque de Alba informações concretas sobre os paços reais portugueses. Filipe Tercio (o Arquitecto e Engenheiro italiano que viera para Portugal ao serviço do Cardeal D. Henrique) lhe entregara os planos pretendidos, esclarecendo o duque, em cartas datadas de 13 e 18 de Novembro: «las
del Rusio y la Marina saco el, y la del castillo saco Joan Bautista Antonelli. Tambien lleva la de Salvatierra; la de Almeirin no la ha podido llevar, porque aquel mozo de camara del Rey D. Sebastian, que envie a sacar esta de Salvatierra se ha detenido tanto que no ha tenido tiempo de ir a Almeirin»

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Filipe I fará jornada por Salvaterra em Junho do ano seguinte, quando se deslocou a Lisboa. Para o arcanio dos jardins do Paço, cujos primeiros trabalhos são datáveis da época do Infante D. Luís, candidata-se em 1581 o jardineiro Rodrigo Alvarez, de origem portuguesa, que durante 15 anos servira na Casa de Campo de Madrid, às ordens do conhecido jardineiro real Jerónimo de Algora e dos arquitectos Gaspar de Vega e Juan de Herrera, garantindo que o recuperaria e punha «en la ordem e perfeição que estão os da Casa de Campo e os de Aranjuez», dos mais afamados da Península.

Dois regimentos, o de 1589 e o de 1595, estipulavam as verbas a dispender na «fábrica do Paço». Filipe II atribuiu como orçamento anual para conservação e ampliação do edifício, oitenta mil réis, verba razoável se a compararmos à que se dispendia com a «fábrica dos Paços de Lisboa, duzentos mil réis; aquele monarca, por alvará de 28 de Janeiro de 1616, nomeia João Rodrigues "Mestre das obras de Pedraria».
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Em 1626 o arquitecto espanhol Juan Gomez de Mora, de novo faz um relatório das «casas que tiene el Rey de Espana», em que inclui Salvaterra «Dista de Lisboa doce léguas», diz-nos, «doce léguas de Santarém que por ser tierra de caça el Rey don Sebastian acudia mucho ay un palácio de los Reys capas para aposentar toda su casa, está a un lado del Rio Tajo».
O interesse da coroa espanhola por Salvaterra está bem explícito nos cuidados de conservação dos imóveis de propriedade régia e da Igreja Matriz.

A princesa Margarida, viúva do duque de Mântua (a quem o conde-duque de Olivares confiara em 1634 o governo de Portugal) em carta datada de 6 de Janeiro de 1640 determina que lhe sejam dadas expressas informações sobre as obras naquela Igreja que já duravam «há mais de sessenta anos». Aos campos de Salvaterra «com tempo austero, frio e húmido» irá por diversas vezes caçar, nos meses de Inverno, D. João IV.

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As obras do Paço prosseguem no reinado de D. Pedro II. Sob a orientação de Mateus do Couto, em 1681, foram pintados de têmpera os tectos dos Paços Reais de Salvaterra, «trabalho feito por Francisco Ferreira de Araújo de parceria com Miguel Mateus de Cardenas, pintor de óleo e João da Costa pintor de têmpera». A 15 de Dezembro de 1689 é nomeado o arquitecto Manuel do Couto como «Mestre das Obras» proporcionando no ano seguinte a promoção de Diogo Tinoco da Silva a aprendiz de arquitecto.

Pela leitura dos «Livros de Mercês» do Cartório da Casa de Bragança, conhecemos a generosidade do monarca que anualmente subsidiava a «Irmandade do Santíssimo Sacramento de Salvaterra« e o Convento de Nossa Senhora da Piedade de Jericó; atribui-se-lhe na «Corografia Portuguesa», o «acrescentamento de mais casa e jardins» ao Paço primitivo, tal como foi sua preocupação o repovoamento florestal do Paul de Magos e reforço do estatuto dos «oficiais da Câmara», «em razão da dita vila ser uma das mais autorizadas do Reino, assim pela assistência que eu e as mais Pessoas Reais nella faziam,como por ser muito populosa».

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De 1734 a 1747 a obra do Paço foi dirigida pelo arquitecto Custódio Vieira, nomeado vitaliciamente, tal como vinha a ser praticado com os arquitectos seus antecessores, «Arquitecto das Obras nos Paços reais de Sintra, Almeirim, Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na vila da Batalha e da Província do Alentejo»; à sua morte, em 1747, é Carlos Mardel que lhe sucede naquelas funções.

A época áurea do Paço decorre em pleno reinado de D. José, nos primeiros anos da década de cinquenta, em que um vasto plano de remodelação e ampliação se inicia, incluindo a construção de uma «nova e sumptuosa Casa da Ópera». «Palacete, Palácio, Palácio e Barraca de acomodação de Sua Majestade» (tal como era conhecida a instalação régia provisória em Nossa Senhora da Ajuda, improvisada após o terramoto de Lisboa de 1755), são expressões empregues para designar o mesmo conjunto de edifícios em Salvaterra; seria na realidade uma boa e ampla residência, casa de campo, com jardim e horta, ocupando uma área de cerca de 1500 m2 (área de implantação), compreendendo aposentos nobres para a Família Real e comitiva - aposentos das damas, casas de Secretário, quartos dos guarda-roupas, sala dos Tudescos, quarto do estribeiro-mor, residência do almoxarife e respectivos serviços, como a casa do padeiro, telheiro das galinhas, duas cozinhas, uxaria, cavalariças, cocheiras, casas da falcoaria.

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O tremor de terra de I755 viria a provocar consideráveis estragos no Paço; no ano imediato e durante quatro anos nele decorreram obras de profundo restauro, dirigidas por José Joaquim Ludovice e Carlos Mardeldois nomes ligados a grandes empreendimentos arquitectónicos de responsabilidade na Lisboa pombalina.

Não só o «Paço novo» (ampliação do Paço do Infante D. Luís) seria restaurado, mas igualmente as casas do Secretário, a casa do Sargento-mor Pedro Teixeira e a de António Pedro Virgolino, a casa do Almoxarife José dos Santos Freire (nomeado em 1750), e a do Cirurgião-mor Antonio Soares Brandão, o Teatro e a falcoarìa. Construiu-se uma nova cavalariça e reparou-se a ponte do desembarque «feita quasi toda de novo que a cheia a levou». Em carta dirigida ao «senhor tenente coronel Carlos Mardel», o arquitecto João Pedro Ludovice determina, por indicação de S. Majestade, que se «faça o acrescentamento da Casa que pretende o Secretário de Estado Sebastião Jozé de Carvalho e Mello».

Igualmente a Casa Real manda proceder a obras na Igreja Paroquial, ermida de S. Sebastião e Misericórdia. Segundo uma descrição pormenorizada feita em 1758 pelo vigário Miguel Francisco Cerqueira, na Vila, que pertencia à Província da Estremadura, Arcebispado de Lisboa e Comarca de Santarém, residiam 453 visinhos" (o.t fogos), compreendendo um total de 1562 habitantes, dos quais 1351 pessoas maiores na vila, 48 nas aldeias, 157 pessoas menores na vila e 6 nas aldeias; refere-se às aldeias de Cumieiro, Misericórdia, Coelhos, Cabides, Figueiras e Bilrete de Cima.
Existiam nessa época «sete ruas principais - Rua de S. António, a qual parte de Norte para o Sul e vai dar em a Capela Real, em cuja Capela está um altar de S. António do qual tomou o nome esta rua; Para a parte do Poente, ao pé desta se acha a Rua Direita, a qual também parte do Norte Para a Sul, ficando desta parte a praça desta vila; junto a esta se acha a Rua de S. Paulo a qual também parte de Norte a Sul e desta parte dá em o lado direito da freguesia desta vila da qual freguesia tomou esta rua o nome; adjunta a esta se vê a Rua do Pinheiro a qual também parte do Norte a Sul e desta parte antigamente se via um pinheiro e ainda as ruas da Água, do Calvário e do Arneiro». Menciona como construções de algum interesse, a Santa Casa da Misericórdia, o Hospital, as ermidas de S. Sebastião e de S. António e o Paço Real. O censo da população é realizado com maior rigor em 1788, sendo mencionados 2145 habitantes de diversas profissões especialmente dedicados à lavoura e à manutenção da coutada e Paços reais; em pormenor se menciona o estado, número de filhos e respectiva idade de cada habitante, remetendo para um mapa anexo o local de residência de cada agregado familiar.
Da vila se dominava vasto panorama onde se podiam distinguir «o lugar do Escaroupim, vila de Valada, o lugar das Virtudes, a vila de Azambuja e o Convento dos frades de Jericó».

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As diversas deslocações da Família Real a Salvaterra durante toda a segunda metade do século XVIII são-nos descritas pela Gazeta de Lisboa. «Partia do Cais de Belém subindo o Tejo em falua, escaler ou majestosos bergantins com quarenta e oito remeiros, aportando primeiro em Vila Nova da Rainha e seguindo de carruagem, por terra; raramente embarcavam na Ribeira das Naus, seguindo até ao Montijo e dali por terra até Salvaterra; para maior comodidade a rainha seguia por vezes de carruagem até Vila Franca, onde pernoitava, e daí era conduzida em cadeira de mãos, de tela carmezim com franjões de ouro até à falua onde se abrigava sob o toldo rodeado de vidraças cristalinas».

Grande movimentação de pessoal que exigia igualmente a deslocação de «trastes» dos paços de Lisboa, tapeçarias, luminárias, móveis, baixela, para melhor conforto e decoração do Paço de Salvaterra; tarefa de que eram incumbidos os armadores, tal como sucedia em jornadas para outros Paços Reais. Instrumentos musicais e arreios faziam igualmente parte da bagagem, assim como mantimentos para toda a estadia.

A via de comunicação mais utilizada para atingir a vila era fluvial, «sangria ou vala real», que nascia na «ameixoeira», desaguando no leito o Paul e mais ribeiras; percorrido por barcos de vela latina, com capacidade para quarenta moios de pão, ou por «bateiras da mesma sorte armadas, carregando catorze moios de pão», a vala tinha capacidade para receber sessenta embarcações. Pela vala eram transportados os abastecimentos de cereais, linho, madeiras, louças, mobiliário, frutas (Descrição de 1758).

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Em 1775 um novo Picadeiro é construído junto do Paço, sob a orientação de Petronio Mazoni, constando da «relação da despeza geral (orçada em 1.995$986) madeiras de Flandres e da terra, vigamentos de Riga e casquinha, decorações de interiores com veludos e galão carmesim de ltália».

No final do século XVIII ainda se mantinha a conservação periódica do Paço, sentindo-se, embora, um apagar lento da vida que durante décadas lhe imprimira a Corte. O órgão da Capela foi afinado em 1783 por Bento Fontanes Máqueira; uma «banqueta de seis castiçais e seus pertences» é executada em 1791 pelo entalhador Manuel Antunes; Pedro António Fidié, Mestre Armador, executa em 1805 uma armação de dossel e espaldar, também para a Capela.
Com a ausência da Família Real, no Brasil, o Paço perde o seu esplendor. Uma sucessão de incêndios (o de 1817 daria origem a graves acusações contra o Almoxarife, só ilibado dois anos depois) e, tremores de terra (1534, 1755, 1909) , ajudariam a intensificar a agonia.

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Desde 1819, insistentes pedidos de obras são dirigidos pelo Almoxarife do Paço e outros administradores. «Manda Sua Alteza», escrevia, em 1827, o visconde de Santarém a José Francisco Brancamp de Almeida Castelo Branco, «em nome de El Rei, que V. Senhoria dê as ordens e providências necessárias, compatíveis com os meios disponíveis para se acorrer a maior ruína procedendo-se aos concertos indispensáveis para a conservação do edifício».

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Cortesia da CMSalvaterra de Magos/JDACT