sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Arte e Artistas em Portugal. Os Anos 70. Parte Ic. «A década de 70 deu continuidade a muitas das linguagens plásticas produzidas por artistas das décadas anteriores mas, por outro lado, radicalizou soluções dos anos 60 e lançou e consagrou uma série de autores que mostraram opções plásticas bastante amadurecidas»

Eduardo Batarda, What´s in a nose?, 1973.
Cortesia de cvc

Em 1978 realizou-se a I Bienal Internacional de Artes Plásticas de Vila Nova de Cerveira, iniciativa que, privilegiando a contemporaneidade durante as primeiras edições, promoveu a descentralização artística, revelando curiosas assimetrias culturais, numa temporária coexistência entre a tradição da expressão regional própria da localidade e a novidade das formas artísticas apresentadas.
Talvez influenciada pelo sucesso da I Bienal de Cerveira, a Secretaria de Estado da Cultura organizou, em 1979, a Iª edição da Bienal Internacional de Desenho, que veria abruptamente interrompido o seu percurso devido ao incêndio do espaço da Galeria de Belém, em 1981. Apesar da iniciativa não ter tido continuidade é importante salientar a passagem pelo espaço da galeria de alguns trabalhos que ultrapassaram a fronteira do desenho e afirmaram uma liberdade experimentalista tendo como suporte o papel e as suas potencialidades. A década de 70 deu continuidade a muitas das linguagens plásticas produzidas por artistas das décadas anteriores mas, por outro lado, radicalizou soluções dos anos 60 e lançou e consagrou uma série de autores que mostraram opções plásticas bastante amadurecidas. Entre os artistas de continuidade, alguns dos quais consolidam a sua presença na crítica e no mercado durante este período, podemos referir Júlio Pomar, Paula Rego, Joaquim Rodrigo, Mário Cesariny, António Sena, Álvaro Lapa, José de Guimarães e Eduardo Batarda.

Na sequência de pesquisas de anos anteriores, nomeadamente na área da poesia concreta, devemos referir a ecléctica obra de Ana Hatherly, com passagens pelo desenho, pintura, "performance", "happening" (Rotura, 1977) e cinema (filme Revolução, 1975). Veja-se a sua participação na Alternativa Zero, com Poema d'entro.
No campo da pintura, Luísa Correia Pereira a trabalhar em aguarela, colagem sobre papel e outros suportes e técnicas, elaborou uma obra marcada pela representação espontânea e pelo colorido, com referências a lugares, personagens e objectos de mundos imaginados e, mais recentemente, com referências à sua própria infância. Vítor Pomar, cuja obra reivindica uma forte influência do budismo Zen, utiliza na sua pintura uma estética bicolor, com predomínio do preto e branco, mantendo-se no registo abstracto, mas passando também pela fotografia, vídeo e cinema experimental.

João Abel Manta, MFA - Sentinela do Povo.
Cortesia de cvc

Relativamente aos percursos individuais, à margem das disciplinas tradicionais, cabe mencionar Alberto Carneiro que nestes anos inicia os seus "teatros-ambientes" com obras tão significativas como Canavial: memória/metamorfose de um corpo ausente (1968-1970), Uma floresta para os teus sonhos (1970) ou Uma linha para os teus sentimentos estéticos (1970-71), para além das suas propostas mais perto da land art como Operação Estética em Vilar do Paraíso (1973). Também Helena Almeida parte para a exploração de outros media, mormente a fotografia, onde a auto-representação e as noções de espaço e de corpo performativo são referências constantes.
António Palolo estende as suas pesquisas às áreas do filme, vídeo e instalação numa proximidade com as tendências neo-conceptuais, afastando-se da pintura com referências pop e minimalistas do início da década. Também Julião Sarmento passa a utilizar a fotografia e a realizar filmes, mantendo as temáticas sexuais características do seu trabalho pictórico anterior. Ainda numa linguagem conceptual encontramos o trabalho de Graça Pereira Coutinho, emigrada em Londres, que utiliza materiais naturais (terra, palha, areia, folhas, giz), métodos artesanais, impressões de mãos, palavras ilegíveis, rabiscos e memórias de vivências pessoais para criar soluções entre escultura e pintura. Numa outra vertente conceptual, mormente ao nível do questionar do próprio conceito da obra de arte e seus mecanismos de recepção e divulgação, temos o trabalho de Manuel Casimiro, também emigrado em França. Trata-se de uma obra que remete para o acervo imagético da história da arte, dando protagonismo a uma forma ovóide que vai ganhando importância durante a década de 70.


Clara Menéres, Mulher-terra-vida, 1977

Ana Hatherly, As Ruas de Lisboa, 1977
Cortesia de cvc

Consciente de que os anos 70 são o período de conjugação de técnicas, José Barrias, residente em Milão desde a década de 60, para além do seu trabalho teórico, desenvolve diversos ciclos temáticos no campo das artes plásticas. Nessa linha de investigação de mistura de géneros devemos considerar a obra de Ana Vieira, designadamente as suas instalações-ambiente dos anos 70, onde o espectador assume um papel fundamental quer pelo convite a participar quer por ser impedido de entrar nos espaços criados pela autora.
Remetendo para o pós-minimalismo, refiram-se as obras de Fernando Calhau e Zulmiro de Carvalho. Este último explora nas suas esculturas a plasticidade de materiais como a madeira, o ferro ou a pedra. Enquanto isso, Fernando Calhau adopta certos valores op(ticos) e desenvolve trabalhos mais próximos do conceptualismo, através do uso da fotografia e do filme.
Também Pires Vieira apresenta um registo minimalista na sua pintura dos anos 70, desenvolvendo, no início da década, pesquisas em torno das cores puras e passando depois a preocupar-se com questões relacionadas com "desconstruções" da pintura, a sua decomposição em estruturas e processo de elaboração. Destas operações resultam telas penduradas sem armação, com formas geométricas padronizadas recortadas.

No que diz respeito às actividades de grupo, a década de 70, marcada pelo ambiente de festa e utopia próprio do contexto socio-político, assiste a uma série de projectos colectivos, alguns já referidos, e à formação de grupos de artistas que partilhavam alguns objectivos artísticos e sociais, nomeadamente o cruzamento das várias disciplinas (com reminiscências do Fluxus), a recusa de academismos e a intervenção social e política. Neste contexto surge o grupo Acre formado, em 1974, por Clara Menéres, Lima de Carvalho e Alfredo Queiroz Ribeiro, com actividades como pintar o pavimento da Rua Augusta ou a distribuição de diplomas de artista - ao jeito de Piero Manzoni - na Galeria Opinião. Mais dedicado à pintura e à performance, o grupo Puzzle, com actividade entre 1975 e 1980, optou por questões ligadas à função social da arte e do artista». In Alexandre Melo, Centro Virtual Camões.

Cortesia de CVirtual Camões/JDACT