quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sé de Portalegre. Capelas: «A educação artística e saber, aliados à sensibilidade, fizeram de Gaspar Coelho e de seu irmão Domingos, mestres qualificados que levantaram esta monumental peça da marcenaria, entalhadura e douramento»

jdact

Capelas da Sé. Capela-mor
Autor do Retábulo
«O Regimento dos Marceneiros, século XVI, determinava que a feitura de um retábulo, compreendia trabalhos de marcenaria, entalhadura, ensambladura, isto é, o marceneiro para alcançar a mestria devia saber cinzelar, decorar, dourar, entre outras coisas. O Mestre talhava a madeira, dourava-a, esculpia as imagens e relevos do retábulo, pintando a madeira, marmoreada ou não. O marceneiro acumulava o serviço de pintor e escultor. O levantamento de um retábulo exigia, por isto, trabalho diferenciado e qualificado que só profissionais executavam, incluindo a estatuária e uma rigorosa acção de encarnar, dourar e estofar.

Entre os doze altares, o “altar da capela maior”, é o mais imponente e grandioso. Encomendado pelo bispo carmelita, Frei Amador Arrais gastou na sua construção um conto e duzentos mil réis, equivalente a três mil cruzados. A obra foi confiada, em 1582, pelo prelado ao Mestre entalhador Gaspar Coelho, artista portalegrense que trabalhou em Badajoz, em 1571, onde aprendeu a sua arte com mestres espanhóis e outros estrangeiros do Norte da Europa. É notória a influência de artistas estremenhos.
A educação artística e saber, aliados à sensibilidade, fizeram de Gaspar Coelho e de seu irmão Domingos, mestres qualificados que levantaram esta monumental peça da marcenaria, entalhadura e douramento. Mestre Gaspar Coelho e seus colaboradores não só trabalharam este retábulo, como conseguiram levar o engenho e a arte a outros mais, na mesma Sé.


jdact

Aceite como um dos grandes Mestres do seu tempo, não só pelo valor artístico, mas pela inovação que trouxe à arte retabular. Faleceu em Coimbra em Fevereiro de 1605. No certificado de óbito, pode ler-se, entre outras coisas:
  • "Ente rramos o corpo de Gaspar Coelho imaginário e mestre que foi desta arte, nestes tempos, neste Reino...".
A grandeza da obra deste artista portalegrense está nesta Sé.

Entalhadura, esculturas e relevos
O retábulo da capela mor, dividido em três andares, alinha, horizontalmente, no primeiro andar, três esculturas, sendo a central a imagem de Nossa Senhora com o Menino, flanqueada, por duas pinturas. O corpo central, compreende três pinturas, ladeadas, nos extremos, por duas esculturas e, no corpo superior, entre outras duas esculturas, nos extremos, estão postadas, à moda antiga, mais três pinturas. Um arco, em talha dourada, relevada, fecha uma pintura que acompanha, em remate, toda a largura do retábulo. Tanto as pinturas como as esculturas, apresentam-se separadas por colunas estriadas, com capitéis coríntios de boa feitura.

Todo o enquadramento tem um ritmo próprio que se alarga aos relevos da predela, dos frjsos e outros elementos decorativos e grutescos. A escultura maneirista do retábulo, alheia ao naturalismo clássico, postada nos intercolúnios exteriores, aproxima-se da inspiração espanhola, sem esquecer, os diferentes recursos que os nossos artistas tiveram à mão, desde estampas e gravuras vindas da Itália e Norte da Europa.


jdact

Do conjunto escultórico sobressaem seis imagens, representando os Doutores da Igreja, além da imagem de Nossa Senhora com o Menino. Na parte inferior, na predela, estão esculpidas, a meio vulto, as imagens dos Apóstolos, São Pedro e São Paulo, ao meio, e as imagens dos quatro Evangelistas, nas bandas.
Dezasseis colunas de madeira, de talha dourada, estriadas pelo restauro realizado nos anos sessenta, rematadas por capitéis coríntios, estão na estrutura do retábulo com frisos, nichos, molduras e lavores diversificados. O trabalho da ornamentação retabular articula-se segundo os modelos do Maneirismo, bem vivo nos frisos com anjos, festões, medalhões, cestos de flores e frutas nas bases das colunas, laçaria, rótulos..., receituário que os artistas portalegrenses esculpiram à "maneira" italiana.
A escultura da Catedral oferece, na generalidade, como a pintura, o sentido das imagens atrás referidas. Reúne, não por acaso, um conjunto material próprio, nascido das vontades de bispos e outros eclesiásticos, mecenas, entre leigos e religiosos, Confrarias e devotos que desejaram honrar os seus patronos, empenho ocasional, a que não é alheia a busca do espiritual, a piedade particular e o culto litúrgico. As figurações de Maria, Cristo e dos Santos fundamentam-se na Bíblia, na História da Igreja, na Vida dos Santos. Exaltam-se padroeiros de devoção nacional, local com Santo António, Nossa Senhora..., alguns vestidos com "tons lendários", mas consagrados pela devoção tradicional, pelas virtudes, milagres e atributos como São Jorge. Outros justificam-se pelo cerimonial de uma festa ou transmissão de valores espirituais, doutrinários (e artísticos), memória de hábitos e costumes.
Nas bandas extremas, alinhados na vertical, levantam-se os Doutores da Igreja, postados sobre mísulas. No painel do remate do retábulo, no arco de talha dourada, semicircular, acompanhando a curvatura da pintura, estão as imagens de seis Profetas, em talha relevada, expressando, com as imagens anteriores e outras, um objectivo doutrinário e de composição». In José Heitor Patrão, Catedral de Portalegre, Guia de Visitação, Edições Colibri 2000, ISBN 972-772-139-7.

Cortesia de Edições Colibri/JDACT