quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Poesia. Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. «No rarear dos deuses e dos mitos deuses antigos, vós ressuscitais sob a forma longínqua de ideais aos enganados olhos sempre aflitos. Do que vós concebeis mais circunscritos, desdenhais a alma exterior dos ritos e o sentimento que os gerou guardais»

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Dolora
Dantes quão ledo afectava
uma atroz melancolia!
Poeta triste ser queria
e por não chorar chorava.

Depois, tive que encontrar
a vida rígida e má.
Triste então chorava já
porque tinha que chorar.

Num desolado alvoroço
mais que triste não me ignoro.
Hoje em dia apenas choro
porque já chorar não posso.

Nova Ilusão
No rarear dos deuses e dos mitos
deuses antigos, vós ressuscitais
sob a forma longínqua de ideais
aos enganados olhos sempre aflitos.

Do que vós concebeis mais circunscritos,
desdenhais a alma exterior dos ritos
e o sentimento que os gerou guardais.

Lá, para além dos seres, ao profundo
meditar, surge, grande e impotente
o sentimento da ilusão do mundo.

Os falsos ideais do Aparente
não o atingem, único final
neste entenebrecer universal.

Às vezes, em sonho triste
nos meus desejos existe
longinquamente um país
onde ser feliz consiste
apenas em ser feliz.

Vive-se como se nasce
sem o querer nem saber.
Nessa ilusão de viver
o tempo morre e renasce
sem que o sintamos correr.

O sentir e o desejar
são banidos dessa terra.
O amor não é amor
nesse país por onde erra
meu longínquo divagar.

Nem se sonha nem se vive:
é uma infância sem fim.
Parece que se revive
tão suave é viver assim
nesse impossível jardim.

Poemas de Fernando Pessoa

MLCT/JDACT