sábado, 7 de setembro de 2013

Sevilha. Século XVI. De Colombo a D. Quixote. Entre a Europa e as Américas. Carlos Araújo. «Efervescente e polifacetada, a Sevilha do século XVI, com a sua cosmopolita e opulenta classe de mercadores, com os seus aristocratas, pilotos e cosmógrafos, com os seus escravos exóticos, os seus marginais…»

Porto de Sevilha
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Um microcosmos de ouro e de lama
«Interminável florilégio esse, que se dedica à Sevilha do século XVI. A Grande Babilónia de Espanha, impressionou o espírito dos contemporâneos, pela sua incrível vitalidade, o seu prodigioso dinamismo. Este vigor exprimia-se em todos os domínios da actividade humana: na protecção de riquezas, na mobilidade social, no auxílio aos necessitados, na curiosidade científica, na euforia das festas, no fervor religioso, na criação literária e artística, no cintilar infindo de uma comunidade corno que desenhada num claro-escuro violentamente contrastado.

Sevilha, no século XVI, suscitou a admiração dos seus habitantes e dos estrangeiros, os elogios inflamados de poetas e de humanistas locais, de viajantes e de artistas nascidos no seu solo ou vindos de países longínquos. Assim, muito antes de o historiador francês Fernand Braudel ter afirmado que em Sevilha, no século XVI, é que pulsara o coração do mundo, muito dos que viveram então na cidade tinham já compreendido a importância que ela adquirira no contexto espanhol e universal. Esta consciência exprime-se numa hipérbole irreprimível, saída da pena de um dos seus grandes poetas, Fernando de Herrera, que apostrofou a sua pátria nestes termos: Tu não és uma cidade, mas um universo, concluindo, depois, por a definir como uma parte de Espanha, superior ao todo.
É difícil encontrar uma metrópole que tenha recebido mais testemunhos de entusiasmo, todos eles, mesmo quando exagerados, assentes numa realidade indubitável. Assim, quando Alonso Morgado fala da muito populosa cidade de Sevilha, refere-se a uma comunidade de mais de 100000 habitantes, isto é, a um dos maiores aglomerados da Europa de então. Quando o mesmo autor faz alusão à melhor fatia de terra do mundo, fala de um espaço urbano com uma rara concentração de monumentos, que ainda hoje espanta e deslumbra, como a Giralda, a Catedral, o Alcázar (Alcácer), o Palácio Arquiepiscopal, a Casa Lonja. Podemos igualmente compreender a exaltação de Morgado, quando a chegada da frota e a transferência dos tesouros americanos para o interior das portas da cidade o levam a evocar a extrema riqueza em ouro e prata. Luís Zapata também se desfez em elogios sobre a profusão de ouro, tão inconcebível que dificilmente acreditaríamos nela, ainda que a tivéssemos à frente dos olhos, enquanto Jerónimo de Alcalá afirmava que Sevilha representava verdadeiros arquivos da riqueza do mundo. Se a cidade produzia este efeito impressionante, os campos circundantes davam azo a impressões igualmente vivas. Tomás Mercado define-os como ricos e férteis para toda a espécie de colheiras, e Rodrigo Caro evoca a grande abundância de pomares, jardins, villas, mosteiros e casas de recreio espalhadas por todos os arredores da cidade.
Interminável florilégio, com efeito, este dedicado à Sevilha do século XVI. A Grande Babilónia de Espanha, impressionou o espírito dos seus contemporâneos pela sua incrível vitalidade, o seu prodigioso dinamismo. Este vigor exprimia-se em todos os domínios da actividade humana: na produção de riquezas, na mobilidade social, no auxílio aos necessitados, na curiosidade científica, na euforia das festas, no fervor religioso, na criação literária e artística, no cintilar infindo de uma comunidade como que desenhada num claro-escuro violentamente contratado.
Sevilha é um universo, como Herrera pretendia, mas constituído por mundos diversos. No espaço, divide-se entre o mundo do poder (Praça de São Francisco), o mundo da economia (as Gradas), o mundo dos marginais (o Arenal) e aquele que os resume a todos, o mundo do rio, com os seus soldados, vendedores, marinheiros, calafates, pescadores, bateleiros, descarregadores, oleiros, as suas lavadeiras, os seus condenados às galés, os seus pícaros, os seus passeantes solitários ou acompanhados.
Socialmente, a sua população formava também um mundo múltiplo, no qual as classes sociais estavam perfeitamente hierarquizadas e onde a mobilidade gerada pelo dinamismo económico não era suficiente para criar uma permeabilidade suficiente entre os diferentes grupos que coabitavam portas adentro. Os nobres ocupavam o topo da escala social, com uma presença importante da alta aristocracia e algumas figuras híbridas, tais como os nobres comerciantes que não decaíam da sua posição social devido ao exercício do comércio com as Índias. A seguir, vinham os mercadores, ansiando sempre por um título nobiliárquico, os profissionais e os artesãos, sempre solidários e cuja ambição era tornarem-se patrões. Mas Sevilha era além disso, um mapa geográfico de todas as nações, com as suas importantes colónias de comerciantes estrangeiros (genoveses e outros italianos, flamengos, portugueses, franceses) e mercadores oriundos de outros reinos hispânicos (sobretudo bascos, mas também castelhanos, asturianos, galegos, aragoneses e catalães). Isto sem levarmos em linha de conta as minorias étnicas, compostas de mouros (descendentes daqueles cujas terras tinham sido conquistadas), ciganos, mulatos, negros de Africa provenientes, na sua maioria do comércio de escravos, que era tolerado». In Sevilha, Século XVI, De Colombo a D. Quixote, Entre a Europa e as Américas., O coração e as riquezas do Mundo, coordenação de Carlos Araújo, Carlos Martínez Shaw, Terramar, Lisboa, 1993, ISBN 712-710-073-2.

Cortesia de Terramar/JDACT