sábado, 23 de novembro de 2013

Os dias de Hoje. O Fim da Inocência. Diário Secreto de Uma Adolescente Portuguesa. Francisco Salgueiro. «Às vezes dava-me gozo perder uns minutos a pensar numa boa história para justificar a minha falta. Dizer que estava doente tinha sido utilizada apenas nos primeiros tempos, mas ultimamente gostava de coisas em grande»

Cortesia de wikipédia

«(…) Tudo isto são coisas que me contaram. Obviamente que com cinco anos não sabia nada disto. Se soubesse, seria um génio, e neste momento não me encontraria sentada aos pés da cama com um homem de quarenta e cinco anos. Provavelmente estaria na NASA a projectar uma nave espacial que nos levasse a Marte. Apesar de a Cesária ter batido na porta várias vezes, não me levantei. De vez em quando ia olhando para o relógio e via os minutos a passar. Pensava nos meus amigos no colégio, a apanhar gigantescas secas dos professores, mesmo sendo o último dia de aulas. Eu andava num dos colégios mais caros da zona da Linha. Um colégio internacional, onde se fala inglês, e onde estudam todos os filhos de embaixadores e de presidentes de multinacionais. É um colégio onde aparentemente todas as pessoas que o frequentam devem ser um exemplo em comportamento. Não sei bem quem terá inventado que ter dinheiro é sinal de possuir filhos sem esqueletos no armário. Mas já lá vou.
Deitada na cama, a olhar para o relógio, não deixava de pensar nas aulas que estava a perder, mas sobretudo na aula que decorria naquele momento. A aula onde o professor era o Mr. X, que eu já tinha apanhado várias vezes a olhar para as minhas ma… As minhas ma… mas são perfeitas. Pelo menos é o que as pessoas com quem vou para a cama costumam dizer. Para mim são grandes demais. São um empecilho, pesam muito. Mas os homens ficam hipnotizados. E o Mr. X não era excepção, tendo-o eu apanhado a olhar para elas várias vezes. Quando contei isso às minhas amigas, decidimos envergonhá-lo. Passámos a ir para as aulas dele com dois botões da camisa da farda do colégio desabotoados. Ele olhava para as minhas ma… como se estivesse a olhar para o Sol. Os olhos estavam continuamente a focar-se nelas, mas ao fim de um segundo lembrava-se que era professor e desviava de imediato o olhar. O problema é que quase todas nós estávamos assim e, por isso, para metade da sala onde olhasse, via camisas desapertadas, com maminhas bastante visíveis.
Ele sabia que não podia dizer nada à direcção do colégio, porque ninguém iria dar-lhe razão, em como nós é que o provocávamos. Afinal de contas, no corredor, as camisas estavam sempre compostas. Sabíamos disso e picávamo-lo o mais possível. Sempre que a aula acabava íamos lá para fora fazer apostas. Por exemplo, apostávamos em qual de nós estaria ele a pensar enquanto se masturbava nessa noite. A maior parte das vezes seria eu a visada, porque era para mim que ele mais olhava. Frequentemente, à noite, antes de adormecer, imaginava-o a pensar em mim e a bater uma. Sentia-me enojada. Lembrei-me que assim que me levantasse teria de ligar para o colégio e dizer que nesse dia não iria às aulas, fingindo ser a minha mãe. O que não era difícil porque a nossa voz é muito parecida. Já tinha feito isso antes. Primeiro, tinha começado a usar essa técnica como arma de sobrevivência, devido às constantes ausências dela. Desde que casara com o Fernando, a quem aos poucos comecei a chamar pai, um dos seus principais hobbies era viajar. Apesar de, por vezes, mostrar algumas casas a clientes muito importantes, ela precisava de ter novas histórias para contar às amigas. Precisava de mostrar as fotografias dos hotéis de cinco estrelas onde tinha estado e falar sobre a comida dos melhores restaurantes aonde tinha ido. Por tudo isso, as viagens tornaram-se frequentes.
Porém, ao contrário do que acontecia quando éramos pequenas, já não havia muitos familiares dispostos a ficar connosco. A minha avó morreu quando eu tinha sete anos, as tias e os tios já tinham problemas suficientes com os meus primos, e as tias por afinidade, comecei eu na altura a perceber, eram como a migração das aves: iam e vinham conforme as épocas do ano. Como tal, ficávamos em casa com as empregadas que existiam na altura. Apesar de a nossa mãe não ser uma figura muito presente, sentimos que, se isso passasse a acontecer, perderíamos a liberdade a que nos estávamos a habituar. Assim, eu e a minha irmã começámos a arranjar mecanismos para que ninguém percebesse que ficávamos sós. Imitar a voz dela ao telefone para justificar as faltas foi um deles.
Às vezes dava-me gozo perder uns minutos a pensar numa boa história para justificar a minha falta. Dizer que estava doente tinha sido utilizada apenas nos primeiros tempos, mas ultimamente gostava de coisas em grande. Do género: o meu padrasto ia ser condecorado pelo Presidente da República e nós íamos com a família ao Palácio de Belém. Foi quando estava a pensar em tudo isto que bateram de novo à porta do meu quarto. Sabia que não era a Cesária. Ela apenas nos avisava uma vez das nossas obrigações, para ficar de consciência tranquila. Pelo tipo de toque, percebi que devia ser a Rita, a minha melhor amiga. A única rapariga que me tinha dado um orgas… o superior ao proporcionado por qualquer homem». In Francisco Salgueiro, O Fim da Inocência, Diário Secreto de Uma Adolescente Portuguesa, Oficina do Livro, Lisboa, 2010, ISBN: 978 989 555 19 6.

Cortesia de Oficina do Livro/JDACT