segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Opus Dei. Rui Pedro Antunes. « Promoveu o culto da personalidade em torno da sua imagem, mudou de nome para que não fosse associado a uma origem judaica e fez a sua organização crescer de mãos dadas com o ditador Franco»

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Eles estão no meio de nós
«(…) É isso que aqui apresentamos. Relatos inéditos de membros, ex-membros, lesados, ajudados, ao lado de petites histoires nunca antes contadas do universo Opus Dei, tornam mais visível como funciona a obra quer no mundo, quer em Portugal. A parte documental também é um dos segredos, tendo sido utilizadas fontes como o registo comercial, documentos governamentais, o folhetim Romana, documentos judiciais (desde o Tribunal da Relação a Varas Cíveis), documentos internos da obra e outras publicações oficiais. Tudo isto em mais de três anos de investigação. Em Portugal, o Opus Dei não tem a força de sociedades como as duas maiores obediências maçónicas, mas tem muito poder. E não é o poder que torna o prelado perigoso, é mesmo a ideologia. É como se houvesse o continuar de alguns dos brandos costumes do Estado Novo, onde, curiosamente, o Opus Dei sofreu com a desconfiança da PIDE (algo que até é currículo e não cadastro para a obra). Mas há ainda muitos Fs, como Fátima (muito importante na entrada da obra em Portugal, por intervenção da irmã Lúcia), Fado (de uma vida em que a alegria é desvalorizada e substituída por um sofrimento em nome de Deus) ou o Futebol (o desporto como uma forma de manter o corpo são, para ajudar a mente a não desviar do Caminho). Tudo isto a juntar a uma postura da organização sobre a sociedade moderna e de choque com a realidade que chega a ser constrangedor, de tão naif que é. Há sempre resposta para tudo nesta instituição conservadora: as mulheres é que limpam e cozinham? É porque têm mais jeito. Dormem em cima de tábuas? Isso é cada uma que decide. Usamos um arame farpado na perna? Dói pouco e não faz sangue. Proibimos livros e filmes? São só conselhos. Desincentivamos o uso de biquíni e de decotes? O pudor tem vantagens. No fim do dia, tudo é normal para quem dirige a obra, mostrando que os seus membros vivem numa autêntica bolha. O pouco que evoluiu em quase 90 anos de vida demonstra que ainda faltam muitos milhares de caracteres para que o Opus Dei se torne numa instituição dentro dos parâmetros da sociedade moderna, livre e justa. Aqui ficam mais umas centenas de páginas como contributo.
Um homem, a igreja e a maçonaria branca
Promoveu o culto da personalidade em torno da sua imagem, mudou de nome para que não fosse associado a uma origem judaica e fez a sua organização crescer de mãos dadas com o ditador Franco. A descrição podia encaixar em outras figuras mais mediáticas e non gratas da primeira metade do século XX, mas é referente a Josemaría Escrivá Balaguer, um basco que em torno da sua figura criou uma das mais conservadoras estruturas da Igreja Católica: o Opus Dei. A origem do Opus Dei confunde-se com a história deste homem que a criou. Nascido em Barbastro, uma aldeia na região de Aragão (Espanha), a 9 de Janeiro de 1902, numa família de classe média, Josemaría Escrivá terá crescido debaixo de uma forte protecção materna, o que condicionou a visão que teria do papel das mulheres na sociedade. Ainda hoje, as mulheres são vistas na obra como alguém mais vocacionado para a lida da casa, sofrendo de uma visão misógena e machista que corre nas veias da organização. Ataques de epilepsia fizeram com que a progenitora praticamente não deixasse o pequeno Josemaría conviver com outras crianças. A falta de mundo exterior nota-se nos vários momentos da vida do fundador do Opus Dei. Apos a formação em instituições da Igreja Católica, Josemaría inicia o seu caminho para o sacerdócio aos 16 anos, idade em que entra para o seminário. Aos 18 anos, Josemaría decide estudar Direito em Logroño e terá sido tão medíocre que, anos mais tarde, um padre que foi seu professor chegou a confidenciar que o fundador do Opus Dei era então um homem obscuro, não encontrando o padre Mindán explicação para um indivíduo de tão poucas luzes poder chegar tão longe. Em 1925, Josemaría é finalmente ordenado padre, com 23 anos, tendo uma imagem inconformada da Igreja Católica, que defendia então parecer um edifício em ruínas, um monte de areia que desaba, um panteão que se extingue, que se destrói. Embora existam várias dúvidas sobre a data oficial de fundação do Opus Dei, terá sido em 1928 que Josemaría decidiu fundar o Opus Dei em Madrid, inspirado por visões. Nas várias biografias que existem é feita uma referência a um forte nevão, durante a época natalícia, como um episódio decisivo para a vida que Josemaría levou. Há um dia em que, durante esse nevão, 10 anos antes de fundar a obra, Josemaría repara nas pegadas na neve de um frade carmelita que caminhava descalço. Aí começou a questionar-se: se há pessoas que fazem tantos sacrifícios por Deus e pelo próximo, não serei eu capaz de Lhe oferecer alguma coisa?» In Rui Pedro Antunes, Opus Dei, Matéria-Prima Edições, Lisboa, 2016, ISBN 978-989-769-075-4. 
Cortesia de MPrima Edições/JDACT