sábado, 7 de janeiro de 2017

O Papa Negro. Ernesto Mezzabota. «Diana soube quem foi que dissera aquelas palavras e não se deu por ofendida; mas naquele coração, que era friamente vingativo e cruel»

Cortesia de wikipedia

«(….) Inácio sentiu um calafrio penetrá-lo até à medula dos ossos mas o rosto não manifestou senão um profundo desprezo. Um momento depois, pela escarpada encosta de Mont-Serrat caminhavam os sete homens que, conduzidos pelo génio de Inácio Loiola, viam constituir a famosa Companhia de Jesus, cujos actos e tenebrosas tiranias haviam de causar o assombro e o terror do mundo.

A confissão de Diana
O palácio de Brezé, um dos mais antigos edifícios feudais da parte mais velha de Paris, perdera havia já muito tempo o esplendor das festas e alegrias, que por um momento o haviam animado. Quando João Brezé, grande senescal da Normandia, oferecera a mão de esposo à filha do conde Saint-Vallier, no palácio ressoara o bulício e a animação das antigas festas; naquelas sala desertas ressurgira uma nova vida, acordando os ecos adormecido dos festins, por influência duma mulher nova, bela e sociável. Uma tradição, de que adiante falaremos, circundava a formosíssima Diana de uma espécie de auréola de grandeza, que tornava mais brilhantes as festas e as reuniões em que Diana era a rainha. Os senhores mais grados da corte reuniam-se nas salas do grande senescal, e se Brezé fosse ciumento, defeito que por fortuna dele não tinha, decerto teria pensado seriamente nas homenagens que a flor dos cavaleiros franceses tributava à sua jovem esposa. É certo também que Diana, aceitando aquela corte e comprazendo-se com aquele tributo de admiração, não dava à maledicência o mais pequeno motivo para falarem dela. Pelo contrário, mostrava ter pelo marido um afecto tanto mais para admirar e louvai quanto os cabelos grisalhos do senescal eram mais próprios para inspirar o respeito filial do que o amor das mulheres. A corte, de sua natureza maledicente, procurava explicar aquela virtude, que a ninguém parecia natural; e alguns dos cortesãos mais maledicentes do que os outros, diziam que, se a formosa Diana fazia tanto alarde do seu amor ao marido, era para vender mais cara a sua complacência para com outro.
Diana soube quem foi que dissera aquelas palavras e não se deu por ofendida; mas naquele coração, que era friamente vingativo e cruel, o nome do homem que a insultara ficou gravado em caracteres indeléveis, e Diana jurou a si mesma que, cedo ou tarde, o insolente havia de pagar-lhe a ofensa. João Brezé morreu pouco tempo depois de ter casado. A esposa mostrou a sua dor em públicas manifestações de luto, renunciou aos bailes, às festas e a tudo, e transformou o palácio numa espécie de convento, onde não tinham entrada senão pessoas sérias, graves e tementes a Deus. Daí a pouco, Paris inteira fazia os maiores elogios à gentil senhora, que aliava à piedade e à fé da viuvez a mais liberal beneficência. Sempre vestida de luto, Diana constituía um exemplo para as senhoras da corte, mais dispostas a enganar os maridos vivos do que a conservarem-se fiéis à memória dos mortos. No palácio, em que agora vamos encontrar Diana, reinava absoluto sossego. A gentil viúva não recebia senão raríssimas vezes e, na ocasião em que vamos entrar nas suas salas, estava ela conversando com um mancebo, que devia pertencer à mais alta classe social, a avaliar pelo respeito com que o tratava a altiva condessa. Ah! monsenhor, dizia ela, pois não reparais neste luto, que me cobre? Isto mostra que renunciei à vida e às suas pompas; com a minha idade quase que poderia ser vossa mãe… Ah! monsenhor, aos vossos pés curvam-se hoje todas as belezas de Paris; renunciai a despertar um pobre coração, que só deseja consagrar-se à sua salvação eterna. E Diana ergueu os olhos para o céu com uma expressão tão encantadora, que o mancebo a quem ela se dirigia sentiu-se ainda mais apaixonado. Mas vós não quereis compreender-me, Diana!, insistia o jovem com uma espécie de impaciência febril. Eu desejo o vosso amor, não para o ocultar ou envergonhar-me dele, mas para dele fazer a maior glória da minha vida! Concedei-me o vosso amor, Diana, e na corte de que hei de ser rei vós sereis a rainha!» In Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, 1947, tradução de Adolfo Portela, Brasil, Exilado dos Livros, Epub, 2001, ISBN 858-671-001-6.

Cortesia de Wikipedia/JDACT