sábado, 7 de janeiro de 2017

O Papa Negro. Ernesto Mezzabota. «Os cavaleiros presentes ergueram a mão. Adeus, irmãos; disse Loiola, com uma voz a que não pôde, por mais que fizesse, tirar um certo tom de tristeza»

Cortesia de wikipedia

«(….) Esta interrupção produziu um sussurro, o qual, graças à presença de Beaumanoir, não degenerou em tumulto. A maior parte de templários pôs-se do lado de Burlamacchi; alguns, poucos, mas decididos partidários, rodearam Inácio Loiola. Irmãos, bradou Francisco Burlamacchi, acabais de ou vir a proposta que vos foi feita: a escravidão da humanidade e nós convertidos em guardas desses escravos, e todos de joelhos diante de um chefe supremo, de um chefe misterioso, que do fundo de uma cela monacal, imporia as suas vontades. E é para isto que a Ordem há de levantar-se? E é para isso que nós havemos de vencer os potentados da terra? E foi para isto que destruímos nos nossos espíritos as superstições e a ignorância? Só nós, de toda a infinita multidão dos nossos irmãos espalhados pelo mundo, só nós é que fomos iniciados nos terceiros mistérios; só nós que conhecemos a verdade de tudo isso, que o mundo adora e teme; graças à ciência que adquirimos, graças às misteriosas tradições, confiados à guarda dos sete senhores, graças aos imensos tesouros que possuímos, somos os únicos d’entre os nossos irmãos, os únicos d’entre os mortais, que não estamos sujeitos a nenhuma lei, a não ser à da morte. E havemos de ter-nos assim elevado tanto, como miraculosa força, acima do comum dos homens, para afinal ficarmos reduzidos a obedecer como cadáveres ao sinal de um só de nós?... Um murmúrio de aprovação acolheu as animadas e quentes palavras do nobre Burlamacchi. Na verdade era intolerável a pretensão de Loiola!... Eia, pois; prosseguiu Burlamacchi, levantemo-nos, sim, mas para despedaçar os nossos grilhões, e os de todo o mundo! Temos em nossas mãos uma força incalculável; aproveitemo-la e façamos uso dela contra os tiranos de toda a espécie. Os povos nos darão por tal serviço bem melhor recompensa do que o sombrio silêncio e a tenebrosa humildade do túmulo! Nós constituiremos na Europa a grande, a verdadeira aristocracia, a do bem-fazer. Será d’entre nós que as cidades liberais e as nações ressuscitadas hão de eleger os seus regentes; nós reinaremos, não com as forças efémeras do embrutecimento e da ignorância, mas com as do reconhecimento e do afecto. Irmãos! Em nome da fé que depositaste em nós, elegendo-nos para este supremo cargo, convido-vos a rejeitar as propostas de Inácio Loiola, e a proclamar aqui, nesta nossa santa assembleia, que a ordem do Templo se transforma na sociedade secreta dos Pedreiros Livres!
Viva a Maçonaria!, gritou o príncipe de Conde, saudando com este nome francês, tradução da denominação proposta por Burlamacchi, a origem de uma sociedade, que depois havia de ter tanta influência sobre os destinos do mundo. Quase todos os presentes repetiram o grito de Conde e saudaram e aclamaram Burlamacchi. Beaumanoir usou então da palavra. Não nos esqueçamos, irmãos, de que neste concilio todos somos livres. Ninguém é obrigado a aceitar qualquer mudança, que não seja aprovada pelo seu pensar e pela sua consciência. Que respondes a isto, irmão Inácio Loiola? Respondo, disse com altivez o peregrino, que estas cisões não me dizem respeito. Fui irmão da ordem do Templo, observei fielmente os seus estatutos: agora, que o Templo acabe retiro-me da instituição que lhe sucede, e em face da Maçonaria, que acabais de proclamar, declaro instituída a Companhia de Jesus! Este nome, que mais tarde devia tornar-se tão terrível, repercutiu sonoramente sob aquelas abóbadas; tão forte e solene fora voz com que Loiola o pronunciara! Ninguém, disse Beaumanoir, ninguém quer acompanhar o nosso irmão no caminho a que ele quer aventurar-se sozinho? Seis cavaleiros se levantaram, e foram colocar-se ao lado de Inácio Loiola, que os olhou com um ar triunfante. Somos sete!, disse ele com um ar inspirado. Pois bem, convosco, primeiros irmãos, que acreditastes em mim, reparto eu o império do mundo. Somos bastantes para vencer, e teríamos a certeza da vitória, se não tivéssemos de lutar contra os nossos antigos companheiros. Irmãos, o beijo de paz! Entretanto, a voz de Beaumanoir pronunciava friamente os nomes dos que se tinham declarado prontos a aceitar a proposta i Loiola. Pedro Lefèvre, de Villaret, na Sabóia. Francisco Saverio, cavaleiro de Navarra. Jacopo Laynez, de Almazar. Afonso Salmeron, de Toledo. Nicolau Afonso, de Bobadila. Simão Rodrigues, de Avedo.
Na medida que iam sendo pronunciados os nomes daqueles poucos, Inácio ia-os inscrevendo num pequenino livro, que tinha na mão. E agora, disse Beaumanoir, agora, que os dissidentes nos abandonaram, repitamos, irmãos, o juramento de há pouco, e declaremos que a ordem do Templo se transformou na associação dos Pedreiros Livres. Os cavaleiros presentes ergueram a mão. Adeus, irmãos; disse Loiola, com uma voz a que não pôde, por mais que fizesse, tirar um certo tom de tristeza, por muito tempo estivemos unidos e concordes e agora estamos divididos em dois campos, que pugnarão com ferocidade sem par um contra o outro. Pois bem! eu ainda tenho esperança, e peço a Deus que reconheçais finalmente o vosso erro e vos acolhais todos sob a nossa bandeira, sob a bandeira de Jesus. Terás que esperar!, resmungou Burlamacchi, o mais indignado, ao que se via, pela traição de Loiola. Inácio dispunha-se para partir com os seus companheiros, quando o presidente lhe fez sinal para que esperasse. Monge, disse ele, deixaste de pertencer ao Templo, mas os juramentos que prestaste à nossa Ordem têm sempre vigor. Ai de ti, se o segredo que juraste guardar fosse violado. Inácio voltou-se cheio de desdém, estremecendo como um cavalo, ao qual o chicote fustiga. Beaumanoir, murmurou ele num tom de voz que a raiva fazia tremer, em má hora me lembraste, a mim, que não pensava em violá-los, os juramentos que prestei à Ordem. Esqueceste talvez de que para nós, filiados nos terceiros mistérios, para nós, que somos os Sete Senhores, não existe lei moral nem positiva? Esqueceste de que a nossa elevação ao supremo grau nos libertou de todos os deveres? Pois então, disse ameaçadoramente o ancião, lembra-te de que, se o juramento te não fizer calar, nós te faremos calar doutra maneira. Temos irmãos por toda a parte, Loiola, e a ponta dos punhais do Templo ainda se não embotou». In Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, 1947, tradução de Adolfo Portela, Brasil, Exilado dos Livros, Epub, 2001, ISBN 858-671-001-6.

Cortesia de Wikipedia/JDACT