quarta-feira, 22 de março de 2017

A Rosa Rebelde. Janet Paisley. «Ele nem precisou dizer duas vezes. Ela girou a muleta de madeira e bateu-a, também, na canela do homem. Ele gritou mais uma vez, afastando-se um passo dela»

jdact e wikipedia
«(…) Apoiada no cano do mosquete, ela tocou com a mão a mancha de sangue. Ainda estava húmida. Os lobos normalmente não a teriam incomodado. Eles tinham medo de gente, mas a fome mudara as pessoas e os animais. Por isso ela estava nas colinas, quando deveria estar em casa, e por isso abandonara a segurança da árvore. Sem pensar, havia ido atrás de MacGillivray para proteger a sua caça, mas, nesse meio tempo, ele já poderia ter chegado a Invercauld e ter voltado para buscá-la. Em vez disso, os lobos poderiam encontrá-la enquanto seguiam o rasto de sangue e o cheiro da corça. Com o coração batendo forte, Anne segurou com força o cano do mosquete, virou-se e jogou o corpo para frente, tentando caminhar mais rapidamente. Em vez disso, bateu em algo duro. Sem fôlego e desorientada diante da presença repentina, ela precisou de alguns segundos para perceber que batera num homem. A sua cabeça escura ostentava um cabelo comprido e preto na altura dos ombros; era mais velho, talvez até tivesse uns trinta anos, e desconhecido. Sem falar nada, ele tentou alcançá-la e, embora ela se tenha abaixado, conseguiu colocar a mão no topo da cabeça da rapariga e limpar a marca de sangue da sua testa com o polegar. Seadh, a-nis, falou ele. Então encontrei uma guerreira. Anne estava certa de que o tom da sua voz traíra um sorriso do qual ela não via nem rasto no seu rosto. O ritmo alegre da sua voz confirmou que ele não era daquele vale. Sois um MacDonald?  Ele pareceu achar a pergunta ainda mais engraçada que o sinal de caça que ela trazia na testa, e se abaixou, aproximando os olhos dos dela. E se eu fosse? Usando todo o comprimento e a força do braço, Anne virou o mosquete com força para golpeá-lo. O cano bateu na canela do homem. Ele deixou escapar um grito e se curvou instintivamente para a frente. Mas a força do golpe a fez perder o equilíbrio. Ela soltou o mosquete e cambaleou, quase caindo. O homem segurou-a pelos ombros e a apoiou novamente na muleta improvisada. Uma guerreira deveria saber, falou ele dessa vez sem nenhum sinal de sorriso na voz. Se a sua perna estiver magoada, deve atacar com o braço oposto.
Ele nem precisou dizer duas vezes. Ela girou a muleta de madeira e bateu-a, também, na canela do homem. Ele gritou mais uma vez, afastando-se um passo dela. Ela balançou, mas, como estava pronta dessa vez, equilibrou-se e manteve-se de pé. O homem recuperou rapidamente. Ele franziu as sobrancelhas escuras sobre os olhos raivosos. Furioso, agarrou a muleta, tirou-a dela, quebrou-a em duas partes no joelho, como se fossem gravetos, e jogou-a longe, no bosque. Então pegou o mosquete que caíra da mão de Anne e o apontou na sua direcção; como ela o encarara com olhar desafiador, oscilando sem apoio, ele atirou. Um ganido alto veio detrás dela. Logo abaixo, na trilha, o lobo líder girou quando a bala atingiu o seu ombro. Ele choramingou e saiu de fininho, mancando. Os outros dois ficaram parados e começaram a recuar. Anne olhou para o homem, com a boca aberta, impressionada com a sua rapidez e pontaria. A sua admiração chegou tarde demais. Ele olhou para trás, para ela. Agora és tu, avisou ele.
Em Invercauld, as flautas e tambores soavam lenta e constantemente. Tochas tremeluziam como pirilampos nas colinas. Em todo o lugar em volta da casa de pedra baixa e larga do chefe, pequenas fogueiras utilizadas para cozinhar queimavam no escuro. O ar estava pesado com a tristeza esperada e carregado de murmúrios. Ao lado da porta da casa, a roseira branca de Junho florescia, reflectindo o luar nas suas flores fantasmagóricas e perfumadas. Jean Forbes ficou na soleira da porta assistindo ao retorno daqueles que tinham ido à procura na colina, segurando tochas. Ela estava nervosa, na verdade mais irritada que preocupada. A garotinha que se agarrara a ela percebera o humor da mãe e parecia tentar esconder-se entre as dobras da sua saia. MacGillivray correu até elas. Ela foi embora, explicou ele, respirando com dificuldade. Percorremos a área toda, pelo caminho mais curto. Mas ela não estava lá. Och! Então, onde? MacGillivray estendeu as mãos intrigado. Aquilo era da sua responsabilidade, e, naquele momento, uma responsabilidade enorme. Alguns homens seguiram outros caminhos para casa. Vimos que ela cortou uma muleta e um pisteiro encontrou a sua trilha, mas isso vai demorar. Jean, lady Farquharson, era muito mais jovem que o seu marido moribundo, era a sua quarta esposa, e não era mãe de Anne. A menina nunca poderia ter feito o que lhe contaram, e aquela não era uma noite em que a atenção do clã podia ser dispensada com uma menina rebelde e tola. Meu marido não vai aguentar muito mais tempo, falou raivosa com MacGillivray. Ela tem que ser encontrada!
MacGillivary não tinha como responder à sua ira, mas tentou dar uma resposta. Quando a primeira palavra de desculpa estava pronta para deixar a sua boca, um tiro de mosquete soou atrás dele e o silenciou. Alarmadas, as pessoas viraram-se em direcção ao estampido. No murmúrio que se seguiu, foram pronunciados nomes como McIntosh e Aeneas , nomes ditos com deferência e respeito ao reconhecerem a figura que chegava à luz. Aeneas McIntosh passou pela entrada da porta, com o mosquete na mão ainda soltando fumaça e Anne montada nos seus ombros. Aliviados, os parentes de Anne a cercaram. Lady Farquharson viu a menina primeiro, mas foi a presença do homem que a carregava que lhe trouxe um imenso prazer. Aeneas! Fàilte. Lady Farquharson, respondeu Aeneas. Meu tio sente muito. Com a sua saúde debilitada, passar pela montanha seria impossível. A mulher concordou com a cabeça. O McIntosh era o chefe eleito do clã Chattan, o clã do gato, uma federação a que todos os presentes pertenciam. A morte de Farquharson seria desonrada sem sua presença. Mas ela e Aeneas tinham praticamente a mesma idade e talvez houvesse outros benefícios na sua ausência, portanto ela escondeu a sua decepção diante da notícia. É uma honra estarmos em seus pensamentos, concluiu ela. O senhor vai ocupar o lugar dele junto aos outros chefes Chattan? Aeneas era sobrinho de um chefe, não um deles. Ele viera para prestar seu respeito a um guerreiro merecedor porque assim quisera, não apenas para trazer as desculpas de McIntosh, e estava sendo aguardado com outros membros da família do lado de fora. Mas ele consentiu, aceitando a honra, e tirou Anne, que se revirava, dos seus ombros e a colocou no chão. Lady Farquharson olhou com desdém para a garota suja e manchada de sangue. O seu pai a espera, falou ela, e então se virou, pegou a menina que se agarrava à sua saia e sumiu dentro da casa. Anne encarou MacGillivray, furiosa, os dedos agarrados à cintura. Você não voltou para me buscar! Nós não a achamos. Anne pulou diante dele, e seu ataque foi tão feroz que eles caíram sobre a roseira. Procurámos em todos os lugares, protestou ele, lutando para agarrar os pulsos da menina que o golpeavam». In Janet Paisley, A Rosa Rebelde, Editor Bizâncio, colecção Ilhas Encantadas, 2009, ISBN 978-972-530-421-1.

Cortesia de EBizâncio/JDACT