sexta-feira, 5 de maio de 2017

A Cruz, a Espada e a Sociedade Medieval Portuguesa. Sidinei Galli. «Marcel Pacaut afirma que o monasticismo propriamente dito foi revelado, no Ocidente, por Santo Atanásio de Alexandria, que se exilou em Tréves, nos anos de 335-338»

jdact e wikipedia

A Religiosidade e o Reino
«(…) Os séculos X e XI constituem para o ocidente europeu um período de plena manifestação religiosa, durante o qual, segundo Marcel Pacaut, a fé penetra mais profundamente nas almas e permite transformar o comportamento dos indivíduos que tomam consciência do que ela representa e do que ela exige. Com a Reforma Gregoriana, essa nova espiritualidade é introduzida no Ocidente e a Igreja afirma a sua independência temporal diante dos poderes laicos. A redefinição institucional da Igreja, imbuída dos princípios do Dictatus Papae, permite proclamar o primado absoluto de Roma sobre a Igreja e as comunidades cristãs.
O monasticismo, fenómeno social que se irradiou ao longo da Idade Média, exerceu profunda influência na sociedade medieval. Nasceu numa época em que a Igreja Cristã se convertera em instituição jurídica, com plena capacidade de coordenar uma forma de vida original e apropriada a um mundo em transição, reflexo das mutações ocorridas na Europa Ocidental. Os chefes bárbaros e herdeiros de imensos latifundia e incapazes de administrarem suas riquezas, quase inesgotáveis, proporcionaram aos mosteiros condições materiais para o seu crescimento. As doações aos fundadores dos mosteiros era de fácil generosidade. Na opinião de R. Latouche, dotar um mosteiro, para aqueles homens supersticiosos e de ingénua consciência, era uma garantia contra a ameaça dos castigos eternos.
Desde o primeiro século, constata-se que grupos de cristãos viviam num estado religioso diferente dos demais, isolando-se dos núcleos populacionais e praticando a caridade, a humildade e a resignação. No Oriente (Egito, Síria, Palestina, Ásia Menor), o monasticismo implantou-se sobre estruturas mais sólidas, a partir da segunda metade do século III. Somente em meados do século IV é que o movimento monástico se desenvolveu no Ocidente, sob as ruínas do Império Romano Ocidental e com a presença dos povos bárbaros.
Marcel Pacaut afirma que o monasticismo propriamente dito foi revelado, no Ocidente, por Santo Atanásio de Alexandria, que se exilou em Tréves, nos anos de 335-338. Em 370, diz esse autor, a Vida de Santo António, redigida em grego, foi transposta para o latim e exerceu profunda atracção sobre as almas de elite. Por volta de 374, São Jerónimo, oriundo do norte da Itália, foi para o Oriente e como eremita permaneceu alguns anos no deserto de Chalcis, meditando, traduzindo e comentando a Bíblia. Graças à influência de Atanásio e Gerónimo, organizaram-se núcleos comunitários de religiosos, que passaram a actuar de maneira decisiva nos assuntos da Igreja.
O nascimento de comunidades cenobitas na Península Ibérica é ponto controverso entre os estudiosos do assunto. A esse respeito, comenta assim Fortunato Almeida: parece que foi nos meados do século VI que pela primeira vez se estabeleceram na Espanha mosteiros, em que certo número de homens se reuniam em vida comum sob uma regra e constituição especial. Já Marcel Pacaut, observa que, na Península Ibérica, nos fins do século IV e início do século V, os bispos combatiam comunidades eremitas de monges, taxando-os de priscilianistas. Dentre os prelados lusitanos que combateram o priscilianismo, destacaram-se Idacio (de Eremita) e Ithacio (de Ossonoba). O Priscilianismo afirmava que o Pai, o Filho e o Espírito Santo eram uma só pessoa e não três: que as almas dos homens e dos anjos se originaram da substância de Deus, ao passo que os corpos humanos foram gerados por obra do diabo. Que o diabo nasceu do cahos, e é o causador de todo o mal que existe; que tanto as almas como os corpos dos homens estão subordinados aos astros. No Concílio de Braga, foi condenado o priscilianismo galego, Seja maldito quem acreditar que as almas e corpos dos homens estão de modo fatal sujeitos ao influxo das estrellas, como disseram os pagãos e Prisciliano. Mais tarde, em 572, por ocasião do 2º Concílio de Braga, novas medidas foram verificadas, inclusive determinando que os prelados, ao visitarem as igrejas das suas dioceses, alertassem os homens do povo para evitarem os ideais priscilianistas». In Sidinei Galli, A Cruz, a Espada e a Sociedade Medieval Portuguesa, edição do Autor, História, volume 28, Universidade Aberta, Editora Arte e Ciência, Biblioteca da FCL, 1997.

Cortesia da UAberta/JDACT