sexta-feira, 9 de junho de 2017

Breve História de Quase Tudo. Bill Bryson. «Em três minutos, 98% de toda a matéria existente ou que virá a existir foi produzida. Temos um universo»

Cortesia de wikipedia e jdact

Como construir um universo
«Por mais que se esforce, jamais conseguirá captar o quão minúsculo, quão espacialmente modesto é um prótão. Um prótão é uma parte infinitesimal de um átomo, que por sua vez é uma coisa insubstancial. Os prótões são tão pequenos que um tiquinho de tinta, como o pingo neste i, pode conter algo em torno de 500 bilhões deles, mais do que o número de segundos contidos em meio bilhão de anos. Portanto, os prótões são exageradamente microscópicos, para dizer o mínimo. Agora imagine que você possa (claro que isto é pura imaginação) encolher um desses protões até um bilionésimo do seu tamanho normal, num espaço tão pequeno que, em comparação, um prótão pareceria enorme. Agora compacte nesse espaço minúsculo uns trinta gramas de matéria. Óptimo. Está pronto para iniciar um universo. Estou pressupondo eu e vós que deseja um universo inflacionário. Se preferir construir um universo mais convencional, do tipo big-bang comum, precisará de materiais adicionais. Na verdade terá que reunir tudo o que existe, cada partícula de matéria daqui até ao limite do universo, e comprimir num ponto tão infinitesimalmente compacto que não terá nenhuma dimensão. Trata-se de uma singularidade.
Em ambos os casos, prepara-se para um verdadeiro big-bang. Naturalmente, vai querer retirar-se para um local seguro a fim de contemplar o espectáculo. Infelizmente, não há local para onde se retirar, porque fora da singularidade não existe local. Quando o universo começar a expandir-se, não estará espalhando-se para preencher um vazio maior. O único espaço que existe é o espaço que ele cria ao expandir-se. É natural, mas errado, visualizar a singularidade como uma espécie de ponto grávido solto num vácuo escuro e ilimitado. Não há espaço, nem escuridão. A singularidade não tem nada ao seu redor. Não há espaço para ela ocupar, nem lugar para ela estar. Nem sequer podemos perguntar há quanto tempo ela está ali, se acabou de surgir, como uma boa ideia, ou se estava ali eternamente, aguardando com calma o momento certo. O tempo não existe. Não há passado do qual ela possa emergir. E assim, do nada, o nosso universo começa.
Numa única pulsação ofuscante, um momento de glória por demais rápido e expansivo para ser descrito em palavras, a singularidade assume dimensões celestiais, um espaço inconcebível. No primeiro segundo dinâmico (um segundo ao qual muitos cosmologistas dedicarão as suas carreiras tentando descrevê-los em detalhes crescentes) são produzidas a gravidade e outras forças que governam a física. Em menos de um minuto, o universo possui 1,6 milhão de bilhões de quilómetros de diâmetro e cresce a grande velocidade. Existe muito calor agora, 10 bilhões de graus, o suficiente para iniciar as reacções nucleares que criam os elementos mais leves, principalmente hidrogénio de hélio, com uma pitada (cerca de um átomo em 100 milhões) de lítio.
Em três minutos, 98% de toda a matéria existente ou que virá a existir foi produzida. Temos um universo. É um lugar da mais espantosa e gratificante possibilidade, e bonito também. E foi tudo produzido mais ou menos no tempo que se leva para preparar uma sandes. Quando ocorreu esse momento é objecto de discussão. Os cosmologistas há bastante tempo vêm discutindo se o momento da criação foi há 10 bilhões de anos, duas vezes essa cifra, ou um valor intermediário. O consenso parece estar-se formando em torno de uns 13,7 bilhões de anos, mas essas coisas são notoriamente difíceis de medir. Tudo o que se pode realmente dizer é que, em certo ponto indeterminado num passado bem remoto, por razões desconhecidas, surgiu o momento conhecido na ciência como t = 0.4 Estávamos a caminho. Claro que existe muita coisa que não sabemos, e muito do que julgamos saber são descobertas recentes, inclusive a noção do big-bang. A ideia vinha pipocando desde a década de 1920, quando foi originalmente proposta por Georges Lemître, um sacerdote e sábio belga, mas só se tornou uma noção activa na cosmologia em meados da década de 1960, quando dois jovens radio-astrónomos fizeram uma descoberta extraordinária e involuntária. Seus nomes eram Arno Penzias e Robert Wilson. Em 1965, eles estavam tentando usar uma grande antena de comunicações de propriedade da Bell Laboratories, em Holmdel, Nova Jersey, mas foram incomodados por um ruído de fundo persistente, um zumbido constante e agitado que impossibilitava qualquer trabalho experimental. O ruído era incessante e disperso. Vinha de todos os pontos do céu, dia e noite, em todas as estações do ano. Durante um ano, os jovens astrónomos fizeram tudo que lhes ocorreu para localizar e eliminá-lo. Testaram todos os sistemas eléctricos.
Remontaram instrumentos, verificaram circuitos, sacudiram fios, removeram a poeira de plugues. Subiram até à antena e colocaram fita adesiva em cada junção e rebite. Voltaram a subir à antena, com vassouras e escovilhões, e removeram cuidadosamente o que descreveram num artigo posterior como material dieléctrico branco, ou o que se conhece mais comumente como cocó de pássaro. Nada funcionou. Sem que eles soubessem, a menos de cinquenta quilómetros de distância, na Universidade de Princenton, uma equipa de cientistas, liderada por Robert Dicke, vinha tentando descobrir exactamente aquilo que eles, com diligência procuravam livrar-se. Os cientistas de Princenton perseguiam uma ideia que havia sido sugerida, na década de 1940, pelo astrofísico nascido na Rússia, George Gamow. Segundo Gamow, se alguém perscrutasse o espaço a uma profundidade suficiente, encontraria alguma radiação cósmica de fundo remanescente do big-bang. Gamow calculou que, depois de atravessar a vastidão do cosmo, a radiação alcançaria a Terra em forma de microondas. Num artigo mais recente, ele chegou a sugerir um instrumento capaz de detectá-las: a antena de Bell em Holmdel. Infelizmente, nem Penzias, nem Wilson, nem ninguém da equipa de Princenton havia lido o artigo de Gamow». In Bill Bryson, Breve História de Quase Tudo, 2003, Bertrand Editora, 2009, ISBN 978-972-251-920-5.

Cortesia de BertrandE/JDACT