segunda-feira, 5 de junho de 2017

O Cerco de Campo Maior em 1801. António Ventura. «… devendo considerar se Campo Maior, como um antemural da populosa Elvas, não deixará de ser acometida nas primeiras hostilidades da Campanha»

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«(…) Memória sobre a praça de Campo Maior com o jornal do sítio que principiou em 20de Maio de 1801 e terminou em 6 de Junho do mesmo ano (escrita por um oficial da guarnição)
Para dar uma ideia circunstanciada do Sítio que sofreu a Praça de Campo Maior, é necessário começar por descrever a influência militar da sua situação topográfica, o estado em que se achavam as suas fortificações, e as disposições que se haviam tomado para a sua defesa. Lançando os olhos sobre a carta da Província do Alentejo, se divisa Campo Maior ao Nordeste de Elvas, e ao Norte de Badajoz, formando entre si estas três Praças, um triângulo, aproximadamente equilátero, em que pode estimar-se cada um dos seus lados de três léguas horárias de extensão: Albuquerque lhe fica na distância de mais outra légua, para a parte do Nascente; e sendo as alheias Praças de que falamos, as mais próximas da nossa raia, aonde já se não encontra a ramificação das Serras, que desde Castelo de Vide vão terminar em Tagarrais; é de esperar que os nossos vizinhos sempre que projectarem a invasão desta Província e recearem forçar as montanhas, que ficam aquém do rio Sever, para se encostarem à margem meridional do Tejo, não deixarão de escolher aqueles dois pontos fortes, para reunião das suas Tropas, a fim de transporem os limites do seu País, por um terreno muito mais aberto e unido, que lhe facilita as incursões da sua Cavalaria.
Nesta hipótese, devendo considerar se Campo Maior, como um antemural da populosa Elvas, não deixará de ser acometida nas primeiras hostilidades da Campanha, porque os inimigos na sua conquista vêm a ganhar um grande apoio, de fácil comunicação com as ditas Praças, que lhe assegura o seu estabelecimento no estranho território, e lhe pode cobrir as operações do ataque contra a única Fortaleza que protege toda a Província. Ora enquanto nós sustentarmos este primeiro posto, o seu auxílio não só poderá ser muito útil ao nosso Exército, quando este se achar em força capaz de descer às planícies, a disputar a devastação daqueles Povos, mas também favorecerá as diversões ofensivas sobre a melhor parte da Estremadura Espanhola, logo que a Fortuna desamparar as Armas inimigas, ou estas variarem o antigo plano de nos fazer a guerra.
Estas razões, que fazem sensível a importância da nossa Praça, deram motivo a cuidar-se da sua reparação. O Oficial engenheiro que depois interinamente a governou, e defendeu foi encarregado em Abril de 1797 de remediar provisionalmente os danos, que o tempo havia causado no material do seu recinto, adicionando-lhe aquelas correcções que julgasse necessárias, a fim de o pôr ao abrigo de um golpe de mão. Infelizmente as circunstâncias particulares do local em que está levantada esta Fortificação, e os erros grosseiros do seu primitivo traçado, assaz restringem as vantagens que havemos apontado, relativas à topografia geral daquela Província. Talvez porque esta Praça conservava ainda em pé as suas muralhas, e havia resistido em 1712 a um sítio informe e mal dirigido, durante o qual foi por três vezes socorrida, se julgava muito maior a sua intrínseca força, porém a simples descrição dos seus defeitos fará avaliar precisamente, a máxima resistência de que ela seria capaz.
Parece que só um engenho destituído de todos os princípios da Arte, poderia escolher uma posição cercada por toda a parte de um terreno montuoso, e sobranceiro, para erigir uma Praça bastante irregular, composta de dez baluartes, um castelo e apenas cinco revelins por obras exteriores, sem que alguma destas obras, se referisse as irregularidades da Campanha circunvizinha: com efeito no ano de 1797 se não encontrava um só ponto sobre o terrapleno da linha magistral, que não pudesse ser ferido do exterior, assim de frente, como de enfiada, ou de revés: porque o parapeito dos baluartes, apesar de conservar em alguns o ordinário perfil, não encobria o plano do reparo, dominado pelos montes de mais alto novel, e o das cortinas (à excepção de três) simplesmente era formado de um frágil muro de dois palmos e meio de grossura e quatro de alto, que mal poderia cobrir em tempo de Sítio as Tropas que a guarneciam ou por ali transitassem». In António Ventura, O Cerco de Campo Maior em 1801, Edições Colibri, Centro de Estudos Documentais do Alentejo, 2001, ISBN 972-772-270-9.
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