quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Diário do conde de Sarzedas. Vice-rei do Estado da Índia (1655 -1656). Artur T. Matos. «… quando passaram o Equador nos últimos dias do mês. A 7 de Maio, encontrando-se a 9,25°, dão conta que haviam dobrado o cabo de Santo Agostinho (que fica a 8,5°)»


Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Rodrigo Lobo Silveira terá nascido nos últimos anos do século XVI. Filho de Luís Lobo Silveira, 5 .° senhor de Sarzedas e dos direitos reais de Sobreira Formosa, comendador de Santa Olalha, etc. e de sua mulher dona Joana Lima. Feito conde de Sarzedas por carta de Filipe III de 31 de Outubro de 1630, casou com dona Maria Antónia Vasconcelos, filha dos 4 .°s condes de Linhares. Tomou parte na expedição de reconquista da Baía em 1625 e, em 1637, foi nomeado governador de Tânger, cargo em que se manteve até 1643, ou mesmo 1644. Como anotaria seu filho Manuel Lobo Silveira nos apontamentos que precedem o diário, foi o unico sogeito portuguez que quando o aclamarão D. João IV lhe não entregou o que governava, e depois de aclamado governou meo Pay que Deos tem Tamgere quatro annos, por ordem dei Rey de Castella, the que o prendeo a gente da cidade, e a entregou a el Rey Dom João, que lhe foi muito affecto. Aliás, em resultado da residência que lhe foi tirada após o desempenho em Tânger, o rei agradecer-lhe-á tudo quanto realizara ali, apontando-o como hum dos melhores capitaens que entrarão naquela praça. Ao enaltecer o seu procedimento, afirma que este bem poderia servir de regimento para os capitaens futuros. E enumera o merecimento de alguns dos seus actos: particular zelo pela honra das mulheres, dispêndio de recursos pessoais com soldados e com a assistência às viúvas e meninas.
A confiança que o monarca João IV nele depositava levá-lo-á a nomeá-lo Governador do Reino quando, em Salvaterra de Magos, foi acometido de mal da dor da pedra. Mas desempenharia ainda outros importantes cargos antes da sua partida para a Índia. Membro do Conselho de Guerra, seria também presidente do Senado de Lisboa, pelo menos desde 1653, funções que desempenhava quando foi nomeado vice-rei do Estado da Índia, em 1655. Refere o filho nos apontamentos já citados que, a quando da sua nomeação para a Índia, o rei lhe ordenara que pedisse o que quisesse para acrescentamento de sua casa. Mas Rodrigo Silveira ter-lhe-á respondido que o servia pella obrigação que tinha de vassallo, e não por interesse, declinando qualquer recompensa.
Acompanhemos a frota que largou de Lisboa em 1655 e, de um modo muito particular, a nau Bom Jesus da Vidigueira que conduziu o conde de Sarzedas. Na manhã de 23 de Março saía barra fora a armada destinada à Índia, acompanhada de mais de uma dezena de embarcações que seguiam para as Ilhas, Angola e Brasil. A necessidade de aguardar por despachos que o rei estava a ultimar obrigou-a a andar às voltas, defronte de Cascais, durante todo o dia, aonde dera fundo o patacho Santa Teresa que os iria receber. Mas também as instruções régias particulares para cada um dos capitães da conserva, para que nunca se apartassem, as especiais recomendações do vice-rei sobre procedimentos a ter no eventual encontro com inimigos, juntamente com a informação sobre o nome dos santos, código identificativo na aproximação, deveriam ser entregues aos capitães se o piloto da barra as não deixasse cair ao mar quando se aproximou da almiranta. O vento norte rijo que se fazia sentir, não só provocou este acidente, depois remediado pelo vice-rei e impediu que o patacho se mantivesse no seu posto, como obrigou na manhã seguinte a que toda a frota lentamente fosse navegando rumo à Madeira, continuando a aguardar a correspondência que um navio aviso de Cascais lhe faria chegar, o que parece não ter acontecido.
A 28, ao aproximar-se da Madeira, aproveitou a ocasião para remeter notícias ao rei por um dos navios que para ali se destinava e que o governador madeirense deveria fazer rapidamente chegar ao destino por urna caravela. Dois dias depois passaram as Canárias e, a 2 e 5 de Abril, separaram-se da armada as charruas destinadas a Cabo Verde e Angola, levando cada uma delas vias de nova correspondência para o rei e secretário de estado Pedro Vieira da Silva. Experimentaram alguma calmaria a 21 de Abril e, sobretudo, quando passaram o Equador nos últimos dias do mês. A 7 de Maio, encontrando-se a 9,25°, dão conta que haviam dobrado o cabo de Santo Agostinho (que fica a 8,5°), assegurando-se que já não poderiam arribar a Portugal. Rumando ao Cabo, a 18 de Junho avistam as mangas de veludo e outros pássaros, sinais da aproximação da Boa Esperança, cabo que, no dia seguinte, pela altura da água e qualidade do fundo concluem ter já vencido». In Artur Teodoro Matos, Diário do conde de Sarzedas, Vice-rei do Estado da Índia (1655 -1656), Lisboa, colecção Outras Margens, CNCDPortugueses, 2001, ISBN 972-787-052-X.

Cortesia de CNCDP/JDACT