terça-feira, 15 de agosto de 2017

Idade Média. Umberto Eco. «… entretanto, com o aumento das dimensões da vela de gurupés, o mastro de mezena e o mastro real deslocam-se pouco a pouco para a popa, chegando a haver um terceiro mastro»

Cortesia de wikipedia

Bárbaros. Cristãos. Muçulmanos
«(…) Na navegação também há uma revolução de importância semelhante. No Canto XII do Paraíso, Dante escreve: del cor de l’una de le luci nove/si mosse voce, che l’ago a la stella/parer mi fece in volgermi al suo dove…, e Francesco da Buti e Giovanni da Serravalle, dois comentadores da Divina Comédia do seculo XIV, explicam: hanno li naviganti uno bussolo che nel mezzo è imperniato una rotella di carta leggera, la quale gira su detto perno; e la detta rotella ha molte punte, et ad una di quelle che vi è dipinta una stella, è fitta una punta d’ago; la quale punta li naviganti quando vogliono vedere dove sia la tramontana, imbriacono colla calamita. Mas já em 1269 Pedro Peregrino de Maricourt mencionava uma bússola com agulha giratória (ainda sem a rosa dos ventos). Nestes séculos, são aperfeiçoados alguns instrumentos de origem antiga, como a balestilha e o astrolábio. Mas a verdadeira revolução medieval na navegação é operada pela invenção do leme axial posterior. Nas naus gregas e romanas, nas dos vikings e até nas de Guilherme, o Conquistador, que em 1066 aproaram às praias inglesas, os lemes, longas pás governáveis por meio de alavancas, eram dois, um de cada lado, e manejados de modo a dar à embarcação a direcção desejada. Este sistema, além de muito trabalhoso, tornava praticamente impossível a navegação contra o vento, era preciso bordejar, ou seja, manobrar alternadamente os lemes para que a embarcação oferecesse primeiro um flanco e depois o outro à acção do vento. Assim, os mareantes ficavam limitados à pequena cabotagem, isto é, a acompanhar a costa para poder arribar quando o vento não fosse favorável. É verdade que, com os seus lemes laterais, os vikings já teriam provavelmente alcançado o continente americano; mas não sabemos quanto tempo nem quantos naufrágios custaram estas empresas e é provável que tenham feito a travessia da Islândia para a Gronelândia e desta para a costa do Labrador, não tendo, portanto, atravessado o oceano como fará Cristóvão Colombo depois de, entre os séculos XII e XIII, ter aparecido o leme moderno, montado na popa, mergulhado na água e capaz de orientar a embarcação sem sofrer o impulso das ondas.
A este invento junta-se uma série de outras importantes modificações, como a âncora de braços abertos, na forma ainda hoje usada. Além disso, os normandos ainda construíam barcos com tábuas intrincadas, isto é, com tábuas sobrepostas umas às outras, formando uma escadinha; mas juntando as tábuas de modo a evitar obter uma curvatura contínua, é possível construir navios maiores; com o novo sistema, arma-se primeiro o esqueleto para depois o revestir, enquanto o sistema nórdico obrigava a construir primeiro o casco para depois o reforçar com o cavername, método que não permitia construir navios de grandes dimensões.
Outras modificações aperfeiçoam o velame. De facto, é já desde o século VII que os árabes sugerem aos povos mediterrânicos o uso da vela triangular, ou latina, extremamente adaptável como vela de gurupés. Com o novo leme, a nova vela de gurupés torna possível efectuar todo outro tipo de evolução, pois permite aproveitar qualquer orientação do vento. Todas estas inovações permitiram construir embarcações quatro vezes maiores do que as naus mercantis dos romanos, e este aumento de dimensões conduziu à introdução de um novo mastro, o mastro de mezena. Mais tarde, seriam gradualmente introduzidas velas redondas, acima da vela principal, e depois também da de mezena; entretanto, com o aumento das dimensões da vela de gurupés, o mastro de mezena e o mastro real deslocam-se pouco a pouco para a popa, chegando a haver um terceiro mastro». In Umberto Eco (organização), Idade Média, Bárbaros, Cristãos, Muçulmanos, Publicações dom Quixote, 2010-2011, ISBN: 978-972-204-479-0.

Cortesia PdQuixote/JDACT