segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII. Arquitectura e Urbanismo. Liliana Castilho. «Ocupando por um lado os espaços vazios que a malha urbana já consolidada tornava possíveis e, promovendo por outro lado, se não novos eixos…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«A cidade de Viseu apresenta, à semelhança de muitas outras no país, uma génese que remonta ao período de ocupação romana, embora essa implantação não corresponda exactamente à localização da cidade actual e esteja ainda, em grande medida, por estudar. A matriz da cidade que nos propomos estudar é assim, antes de mais, de filiação medieval, gerada em torno do núcleo central da Sé, sede do poder episcopal e cimentada ao longo do atribulado processo de reconquista. As muralhas erguidas já no século XIV vão servir, não para definir o terreno de construção da cidade, mas antes para proteger a cidade já construída das ameaças exteriores, cristalizando assim, morfologicamente, a sua delimitação. O espaço foi então dividido, formal e simbolicamente, entre cidade e não cidade, espaço intra e extramuros, habitantes do burgo e estrangeiros. Perdido o seu carácter funcional a muralha vai manter intacto, ao longo da época moderna, o seu carácter simbólico. A cidade com que nos deparamos no século XVII é ainda, sobretudo, uma cidade intramuros, apesar de se anunciarem já as expansões para os arredores que o século XVIII concretizaria. Mesmo quando efectivada a ocupação funcional dos espaços extramuros, estes continuam a ser designados por arrabaldes demonstrando bem como os mapas mentais são de alteração mais lenta que os cartográficos. A cidade que nos propomos estudar é então composta, do ponto de vista morfológico, pelo núcleo intramuros e pelos arrabaldes de Cimo de Vila, Regueira e Arco, formulação enunciada já no Numeramento de 1527 (do monarca João III) e que se vai manter durante o período em análise. O objectivo do nosso trabalho é apurar como os elementos da paisagem urbana se ordenaram e articularam ao longo dos séculos XVII e XVIII, acompanhando as alterações dos quadros mentais e políticos, locais e nacionais, e dos modelos estéticos.
A inserção pontual de dados do século XVI, cronologicamente fora deste estudo, prende-se com a importância de estabelecer pontos de continuidade e ruptura na evolução da cidade que, de modo algum, são compatíveis com fronteiras cronológicas estanques. A escolha da data de 1799 como limite do estudo da cidade relaciona-se com a decisão camarária, efectivada nesse ano, de não reconstruir os Paços do Concelho, destruídos pelo fogo em 1796, na sua tradicional localização, na Praça, mas antes de os cambiar da zona antiga para a nova, no Rossio de Maçorim, consubstanciando o fim da orgânica medieval/moderna da cidade. A divisão do nosso estudo em três partes, Morfologia Urbana, Arquitectura Pública e Habitação pretende possibilitar a criação de um modelo mental, uma espécie de maqueta de construção gradual, da cidade da época moderna. Debruçamo-nos assim, numa primeira fase, sobre o estudo da planimetria da cidade, o traçado do seu contorno exterior concretizado na muralha e nos seus pontos de fuga, a rede viária hierarquizada, definindo eixos de circulação, permanência e expansão e os espaços vazios no interior da malha urbana consubstanciando praças, rossios e adros. Na segunda parte, abordamos a arquitectura pública, encarada em sentido lato e, caracterizada pela utilização e não pela génese, na sua articulação com o traçado da cidade. Ocupando por um lado os espaços vazios que a malha urbana já consolidada tornava possíveis e, promovendo por outro lado, se não novos eixos, pelo menos novas hierarquias entre os já existentes, os edifícios públicos ditam a relação dos habitantes com a cidade criando itinerários no interior da mesma. Edifícios extraordinários, relacionáveis directamente com os poderes religiosos e civis da cidade, funcionam como veículos de introdução de novas estéticas e técnicas arquitectónicas marcando profundamente a paisagem urbana. Na terceira parte, debruçamo-nos sobre a habitação, nobre e corrente, que, preenchendo os espaços deixados livres pelos edifícios públicos na malha urbana da cidade, a completa na sua totalidade. Directamente relacionadas com os seus habitantes as habitações reflectem diferentes capacidades económicas, diferentes gostos e necessidades habitacionais e traduzem a representação pública dos vários grupos sociais.

Morfologia urbana
A história urbana, eixo central deste nosso trabalho, situa-se na confluência entre vários saberes e disciplinas e foi, ao longo do último século objecto de estudo de historiadores, historiadores de arte, geógrafos, arqueólogos e arquitectos. Cada área disciplinar, embora contribuindo para o avanço do saber, utilizou uma linguagem específica e guiou-se por uma agenda própria resultando assim o conhecimento sobre a maior parte das cidades portuguesas não num todo claro e coerente, mas numa manta de retalhos de proveniências diversas. Alguns dos normalmente designados precursores da história urbana só o eram casualmente e de forma acidental, como é o caso de Amorim Girão. Apontadas amiúde as suas contribuições para o estudo de Coimbra e Viseu, no que concerne ao nosso objecto de estudo, devemos considerar as propostas apresentadas com a devida cautela. Eram outros os critérios, os métodos e os objectivos e, como tal, claramente outros os resultados». In Liliana Castilho, A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII, Arquitectura e Urbanismo, Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012.

Cortesia de FLUdoPorto/JDACT