domingo, 4 de março de 2018

Arez da Idade Média à Idade Moderna. Ana Santos Leitão. «É evidente que, pela fortuna das armas, essas fronteiras seguras podem transformar-se em frentes de combate. Mas o espaço organizado estava atrás de uma zona militarizada»

Cortesia de wikipedia e jdact

O conceito de Fronteira
«(…) Evidentemente que existem problemas fronteiriços entre reinos cristãos, mas terão, quanto a nós, de ser colocados em categorias não idênticas, já que estamos perante grupos que reconhecem entre si certas semelhanças. A zona de separação entre Estados, no período da Reconquista, não é pois uma linha estável e de paragem duradoura, mas sim um momento de paragem temporário por falta de condições para uma maior penetração em território hostil. É igualmente uma região onde, devido á indefinição, os dois poderes interferem. De qualquer forma, existe também um outro conceito que terá de ser aqui introduzido: o de fronteira segura, isto é, o da faixa bem definida e organizada, do ponto de vista político, social e económico, pelo menos teoricamente, a salvo de qualquer investida. As comunidades de fronteira são grupos sempre em risco, e que têm de obedecer a regras muito precisas para poderem sobreviver em ambiente hostil, nem por isso deixam de ser lugares onde as pessoas vivem o seu quotidiano familiar, e não estão dependentes apenas de migrações de novos militares para crescerem demograficamente, e para se renovarem. No período da Reconquista, a definição das áreas de fronteira eram fundamentais. Por definição queremos significar a clara divisão do espaço fronteiriço em subsistemas defensivos, o que passava por uma organização e planificação, não sendo fruto da soma de experiências empíricas. Só com esta protecção de rectaguarda podem as comunidades pensar em movimentos expansionistas. É evidente que, pela fortuna das armas, essas fronteiras seguras podem transformar-se em frentes de combate. Mas o espaço organizado estava atrás de uma zona militarizada de defesa avançada, actuando assim, e em simultâneo, como um espaço de organização de defesa em profundidade já que os vazios intercalares entre comunidades primitivas, tiveram como herdeiros umas zonas de marcas que limitavam os territórios mediante sectores mais ou menos incultos, cuja importância espacial se encontrava em proporção inversa à densidade demográfica geral. As guerras levadas a cabo pelas comunidades cristãs de fronteira não eram expedições de conquista em larga escala, mas sim raids (numa classificação assente no vocabulário técnico militar, que evidentemente teve conotações diferentes ao longo da História) com o fim de fustigar o inimigo, roubar-lhe e/destruir-lhe as riquezas, capturar mão-de-obra que iria substituir, em parte e em certas regiões, aquela que era agora empregue em tarefas de guerra. Essas comunidades que recebiam, em certos momentos, privilégios dos monarcas, viviam sobretudo do saque, complementando a sua actividade económica com o pastoreio e a caça, nos locais onde as condições eram propícias, e desenvolvendo nos tempos de acalmia, um comércio entre os dois lados da fronteira, muito embora tal fosse, em teoria, proibido. Para as terras que constituíam a defesa avançada, as actividades bélicas não teriam finalidade, numa primeira fase, o povoamento, no sentido que se dá tradicionalmente a este conceito, e que implica a sedentarização de famílias de colonos, o arroteamento de terras e a constituição de comunidades rurais (e mais tarde, se se proporcionasse, de comunidades urbanas). O movimento povoador acontecia nos territórios de fronteira, mas em zonas afastadas do limes.
Nos territórios limítrofes entre as duas formações essa seria, se as condições ajudassem, a tarefa para uma segunda fase, quando o território estivesse seguro. A agricultura que era praticada de início não ia mais além de um pequeno aro rural à volta de um ponto fortificado. Permite-nos, por isso, colocar em dúvida a amplitude do movimento de presúria realizado por estas populações, no sentido que mais comummente se dá a este conceito: o de apropriação de terras em ou junto do território inimigo. Estes grandes movimentos seriam levados a cabo pelo rei ou pelos nobres, em seu nome que, depois de segurar militarmente a região, distribuíam a terra aos novos colonos, ou permitiam que nelas se instalassem. A presúria levada a cabo pelos vilãos seria a ocupação de terra já conquistada, mas sem dono, pondo-a em valorização pelo trabalho agrícola, ou então pequenos avanços para terras limítrofes, desertas de gentes». In Ana Santos Leitão, Arez da Idade Média à Idade Moderna, Tese de Mestrado, Edições Colibri, Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2013, CM de Nisa.

Cortesia de EColibri/JDACT