sexta-feira, 9 de março de 2018

Os Forais Tomarenses de 1162 e 1174. Manuel S. A. Conde. «… as cartas de foral eram dotadas de maior complexidade, já que prescreviam normas de direito público, previam um quadro mais ou menos complexo de magistraturas locais…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Simples aforamentos colectivos, cartas de povoamento ou forais eram os documentos que, muito diversamente, avalizavam essa auto-organização (actualmente, tende-se mais a considerar como principais motivos inspiradores das concessões régias ou senhoriais à vontade política de fixar as populações às terras, fixação era necessária nos planos políticos e militar, e vantajosa do ponto de vista económico, ou a necessidade de obter a colaboração destas na organização militar, e não tanto a luta dos povos pela autonomia. Aceita-se, porém, que os concelhos tenham surgido na continuidade de esquemas de solidariedade multisseculares, pré-romanos, reforçados por circunstâncias político-militares, debilidade do poder político, no topo, e estado de guerra permanente, depois enquadrados no âmbito de um processo de senhorialização) Comparativamente às outras categorias referidas, as cartas de foral eram dotadas de maior complexidade, já que prescreviam normas de direito público, previam um quadro mais ou menos complexo de magistraturas locais, dotadas de alguma autonomia face aos poderes régios e senhoriais, e a concessão de um conjunto de privilégios. Não pretendiam, porém, regular integralmente as relações entre o concessionário e o concelho. De fora ficavam, por exemplo, as prerrogativas consideradas inerentes à realeza ou ao senhorio, ou as disposições consagradas pelo direito consuetudinário. Não tinham o carácter de generalidade que é apanágio da lei, antes instituíam um regime especial, para um grupo de pessoas concreto.
Condicionalismos históricos ou geográficos e razões de natureza política justificaram a diversidade dos clausulados dos forais e a existência de famílias de concelhos. Desde Herculano, vários investigadores têm procurado detectar modelos definidores dessas famílias, ora aplicados de forma mecânica, ora com alterações mais ou menos substanciais. A organização municipal de Tomar inspirou-se, muito claramente, no esquema estatuído pelo foral concedido a Coimbra, em 1111, pelo conde portucalense Henrique. A carta concedida por Gualdim Pais em 1162 seguiu, quase literalmente, tal modelo. Aquele esquema preponderou, de forma visível, na Alta Estremadura. Também representado, embora com mais substanciais adaptações, na Beira Interior, entre Viseu e Longroiva, surgiu ainda noutras áreas da Estremadura, como Sintra. Os condes, depois os reis de Portugal, os templários e até particulares seriam os factores de difusão do modelo naquelas áreas (seguem de perto o modelo coimbrão as cartas concedidas a Soure, Tomar, Pombal e Castelo do Zêzere, pelos templários, a Ourém, por dona Teresa Afonso, irmã do rei Sancho I, e a Arega e Figueiró, por Pedro Afonso, irmão do mesmo monarca. Integram-se na mesma “família: na Estremadura, os forais de Penela, Miranda do Corvo, Leiria, Lousã, Penacova, Sintra e Pedrógão, este concedido pelo referido Pedro Afonso; na Beira Interior, os de Azurara, Sátão, Tavares, Muxagata, Viseu, Sernancelhe, Sabadelhe e Longroiva).
Na primeira metade do século XII, oscilava a fronteira entre cristãos do ocidente, portucalenses e coimbrãos, e muçulmanos entre o Mondego e o Tejo, ao sabor da relação de forças. Em 1116-1117, uma ofensiva almorávida atingiu o Mondego, pondo em perigo Coimbra, onde se encontrava a condessa Teresa. Mas, nas décadas seguintes, debilitou-se o poder almorávida, ao mesmo tempo que o jovem Afonso Henriques consolidava o seu poder. Cerca de 1130, o jovem dirigente deixou o norte e fixou-se em Coimbra, na ânsia de se desprender da nobreza senhorial de Entre-Douro-e-Minho e de dilatar o território para sul. O seu desígnio de dotar Coimbra de um sistema defensivo que a protegesse das incursões dos muçulmanos de S; antari; n e al-Us; buna implicava não só a construção de novos castelos mas também pressupunha o apoio das milícias templárias, razão por que atribuiu a estas o castelo de Soure. Requeria igualmente a colaboração política e militar das comunidades vilãs da área fronteiriça, motivo de um forte empenhamento na concessão de forais às povoações mais importantes da área, contrapartida da responsabilização das mesmas na defesa e valorização da terra. A política socialmente ambivalente do jovem rei, imposta pelas difíceis circunstâncias da Reconquista, impulsionava a criação de um Portugal senhorial e um Portugal concelhio, distintos quanto à estratificação social e à ordem política, mas interrelacionados e coordenados pelo mesmo poder monárquico». In Manuel S. A. Conde, Os Forais Tomarenses de 1162 e 1174, Casa de Sarmento, Centro de Estudos do Património, Universidade do Minho, Revista Guimarães, nº 106, 1996.

Cortesia de CasaSarmento/RGuimarães/JDACT